domingo, 2 de agosto de 2009

Os ecotópicos

Num rasgo de novidade na blogosfera nacional, Pinto de Sá, no seu blog, lançou um manifesto anti-ecotópico. A combinação agrada-me: o ecologismo utópico, ou também ecotopia. O manifesto, que subscrevo, de seguida:

A ecotopia fantasia um futuro romântico que combina a vida frugal e saudável com a magia tecnológica.
A ecotopia visiona um quotidiano bucólico, cheio de pastos verdes com ovelhinhas "biológicas" e painéis fotovoltaicos nos telhados das casas rurais, acolhedoras e floridas.
A ecotopia imagina multidões a deslocarem-se calmamente de bicicleta pelas ruas das cidades coloridas a caminho dos escritórios.
A ecotopia devaneia com as paredes das suas futuras casas rurais decoradas com gravuras de torres eólicas em horizontes verdes, muito verdes e soalheiros.
Na ecotopia, não haverá engarrafamentos de automóveis, porque a magia tecnológica e a reformatação do homem novo terão abolido a necessidade de deslocações de automóvel.
Na ecotopia não haverá doenças, porque "a vida saudável" eliminará a poluição, os pesticidas e os adubos que as causam.
A ecotopia tem uma utopia: um mundo ecológico. Verde. Muito verde e feliz.

Os ecotópicos querem-nos cobrir os telhados das casas com painéis solares, mesmo que a electricidade daí resultante seja 10 vezes mais cara que a que actualmente pagamos e os painéis deixem de funcionar ao fim de 3 anos.
Para os ecotópicos só haverá energias renováveis: sol, vento e água.
Os ecotópicos querem-nos fazer comprar carros eléctricos para depois os deixarmos em casa a carregar e a descarregar as baterias para estabilizar a energia eléctrica que só haverá quando houver sol, ou vento, ou água nos rios.
Os ecotópicos depois vendem-nos as baterias desses carros eléctricos que teremos de mudar de 3 em 3 anos, mas retomam as baterias velhas para reciclar.
Os ecotópicos vão proibir a circulação de carros nas cidades, pelo menos a quem não possa pagar os altos preços dos parquímetros, por causa das alterações climáticas.
Os ecotópicos querem-nos fazer levar os nossos filhos à escola de metro.
Os ecotópicos querem-nos instalar contadores de energia "smart" com tarifas variáveis a cada momento e que estarão sempre mais caras à hora em que precisarmos de ligar a máquina de lavar roupa, ou as luzes do escritório à noite, ou a torradeira de manhã. Para nos encorajar a sermos homens novos.
Os ecotópicos já mandam no Mundo Ocidental e estão a proibir que se estudem outras soluções contra a emissão de CO2, como o nuclear seguro e o carvão limpo.

Os ecotópicos são fortes e conseguiram chegar subrepticiamente ao poder. Surgiram nos anos 80 e têm a sua base principal na Alemanha, mas os herdeiros dos hippies americanos também são ecotópicos.
Todos os dias vários canais da TV nos martelam programas de propaganda ecotópica dizendo-nos que é o que já se faz "lá fora".
Os ecotópicos apresentam-se sempre com propagandistas jovens, para nos fazerem sentir que é com eles que está o futuro.

Os ecotópicos querem fazer de nós homens novos compatíveis com os amanhãs que cantam com que eles sonham.
Para nos mudar, os ecotópicos precisam de nos vigiar.
Os contadores "smart" vão saber tudo sobre os nossos hábitos caseiros de consumo energético.
E os chips que vamos ter nos carros vão permitir saber tudo sobre as nossas deslocações.
O que se vai somar ao que já sabem sobre como, onde e em quê gastamos o nosso dinheiro.
E quem não for ecotópico não terá direito a nada por parte do Governo.
E tudo o que se fizer dependerá da concordância do Governo.
E isso será verdadeiramente o Admirável Mundo Novo, mas em verde!

O Governo é ecotópico e tem nisso a sua melhor bandeira.
A oposição critica o Governo em muitas coisas, mas concorda que ele age bem no que diz respeito "ás energias renováveis e às tecnologias", ou seja, à ecotopia.
Marcelo Rebelo de Sousa elogia no Governo a ecotopia.
O "Compromisso Portugal" elogia no governo a ecotopia.
Até Pacheco Pereira já louvou no Governo a ecotopia.

As empresas também são todas ecotópicas, agora.
A EDP é ecotópica e tem como seu grande projecto tecnológico o que o Governo lhe mandou fazer: o Inovgrid ecotópico.
A EFACEC é ecotópica porque o Governo lhe deu a construção dos pontos de abastecimento dos ecotópicos carros elécticos.
A Novabase é ecotópica porque vai desenvolver o sistema de gestão desses pontos de abastecimento.
A Critical software também lá está e por isso é ecotópica.
Os "empresários do norte" almoçam com o ex-ministro da Ecotopia Manuel Pinho, e são todos ecotópicos também.
Por causa da Martifer e das fábricas de componentes eólicos de Viana do Castelo.
E da força que foi dada ao INESC-Porto na justificação da política ecotópica do Governo.
E de outras razões com que o Governo, ecotopicamente, escolhe a quem distribuir as receitas dos impostos que pagamos.

As Universidades também são todas ecotópicas, agora.
Há dinheiro a rodos para I&D em temas ecotópicos, como as "smart grids".
E há muitas revistas onde publicar temas ecotópicos.

E os media também são ecotópicos, ou porque estão a mando, ou porque simplesmente há muito que deixaram de ter gente conhecedora a escrever lá.

Por isso, não há uma única voz que se erga a questionar a ecotopia. Exceptuando uma curta coluna quinzenal no Expresso do cavaleiro solitário Mira Amaral...

Mas os ecotópicos não mandam e jamais mandarão na China!
Nem na Índia!
Nem na África!
E haverá sempre quem resista à ecotopia.


http://a-ciencia-nao-e-neutra.blogspot.com/2009/07/contra-o-pos-modernismo-energetico.html